Transparência no processo eleitoral

Por: Álvaro Sampaio Corrêa Neto *


A transparência no processo eleitoral é indispensável para maior confiança da sociedade no resultado proclamado pelas urnas, principalmente em tempos de disputas eleitorais acirradas. Assim, é estratégico que a Justiça Eleitoral utilize, cada vez mais, procedimentos, mecanismos e meios que tornem seus processos mais transparentes. Neste sentido, este artigo propõe a utilização de um código impresso ao final do boletim de urna (BU) para representar as informações ali constantes. Esta técnica viabiliza a posterior leitura e a interpretação dos dados constantes no BU pela sociedade civil de forma rápida e simples, viabilizando uma totalização independente e ampliando a transparência.

A urna eletrônica brasileira, com seus 18 anos de existência em 2014, foi desenvolvida para garantir a segurança e a transparência do processo eleitoral. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a eliminação da intervenção humana nos procedimentos de apuração e totalização minimiza a probabilidade de adulteração dos resultados. Apesar de ser um dispositivo com diversos mecanismos de segurança, é alvo de críticas, mitos e boatos por parte da sociedade. Toda essa polêmica, fundamentada ou não, é potencializada pelo poder de comunicação provido pelas redes sociais e acaba desgastando desnecessariamente a imagem da votação eletrônica e da democracia. A ampliação e divulgação dos mecanismos de transparência em todo processo eleitoral é uma das formas de se combater esses rumores.

Percebe-se que iniciativas visando a divulgação da segurança do processo eleitoral são tomadas pelo TSE. As propagandas veiculadas reforçam os mecanismos de segurança da informação (criptografia, assinatura digital, etc.) utilizadas e a não vulnerabilidade da urna a ataques externos devido a incapacidade de hardware para conectá-la a uma rede ou mesmo qualquer rede sem fio. Outra ação de transparência são os “Testes Públicos de Segurança”, no qual outros órgãos, qualquer cidadão interessado e instituições de ensino podem participar para avaliar o código-fonte dos sistemas eleitorais e realizar tentativas de adulteração do resultado. A votação paralela também é outro procedimento com objetivo de verificar o perfeito funcionamento dos sistemas. Na véspera da eleição, são sorteadas urnas para verificação. No dia do pleito, estas são submetidas à votação nas mesmas condições que ocorreria na seção eleitoral, mas com o registro paralelo em cédula de papel dos votos sendo inseridos nas urnas. No mesmo horário de encerramento da votação oficial, as urnas da votação paralela são encerradas e demonstra-se que o resultado apresentado nestes BUs é o mesmo que o da apuração das cédulas em papel. Essas são iniciativas que devem ser ampliadas e permear todas as etapas do processo eleitoral.

A Justiça Eleitoral executa diversas atividades para que o cidadão possa exercer o direito de voto. Os trabalhos iniciam-se muito antes do dia do pleito e podem ser resumidamente ilustrados por meio da figura 1 na qual partes do processo eleitoral são apresentadas. O objeto de estudo e proposta deste artigo encontra-se ao final da atividade de votação e início das atividades de totalização. Neste momento, a urna é encerrada, o BU é impresso e a memória de resultados (MR) é removida da urna para ser transportada para o local de totalização.

Figura 1: Resumo do processo eleitoral (fonte TSE)

Apesar de estar criptografada e com assinatura digital, muito se questiona a respeito da integridade da MR após a sua retirada da urna e o transporte entre a seção eleitoral e o local de totalização da Justiça Eleitoral. Quem garante que a MR não é adulterada? Quem garante que a MR não é trocada? Quem garante que o conteúdo da MR será mesmo totalizado pela Justiça Eleitoral? – essas são questões recorrentes e foco do estudo deste artigo. A figura 2 apresenta o BU da seção 1 do município de Santa Cecília/SC gerado com uma urna de treinamento e dados do segundo simulado nacional do TSE da Eleição de 2014 e será utilizado como exemplo para a geração do código a ser impresso ao final do BU.

Figura 2: BU da seção 1 do município de Santa Cecília/SC

A leitura dos BUs afixados nos locais de votação e a realização de uma totalização extra-oficial é comum nas Eleições Municipais de cidades menores. Nesta prática, os representantes dos partidos políticos repassam por telefone a votação recebida em cada BU afixado para uma central na qual os votos são totalizados. Esta prática é viável para cidades com poucas seções mas e suscetível a erros visto que os valores são lidos para uma outra pessoa que digita em uma planilha ou software específico, além disso, tal mecanismo é impraticável de ser aplicado nas quase 500 mil seções eleitorais do Brasil todo. A utilização do conteúdo impresso do BU para auditoria e conferência também é alvo do projeto “Você Fiscal”, porém a fiscalização proposta pelo projeto pretende a digitalização de todo BU e o posterior reconhecimento ótico de caracteres. Como um único BU pode conter diversos metros de papel, este processo é trabalhoso e suscetível a erros pois dependerá, em muito, da qualidade e da forma da digitalização, além de ser um trabalho hercúleo digitalizar quase meio milhão de BUs.

Para que haja maior transparência no processo de transporte da MR e posterior totalização, é indispensável um mecanismo que permita a leitura, de forma ágil, confiável e automatizada, do conteúdo dos BUs impressos e afixados nos locais de votação. Assim, este artigo propõe que o TSE altere o software da urna eletrônica para que ao final de cada BU seja impresso um ou mais códigos que representem os dados textuais do BU e possa ser facilmente lido e interpretado por um computador ou smartphone. A proposta consiste na impressão dos dados utilizando uma espécie de evolução do código de barras, o Quick Responde Code (Qr-Code). Com este código impresso ao final dos BUs, smartphones com aplicativos para leitura de Qr-Code podem facilmente ler e interpretar os dados de forma rápida, confiável e com baixa chance de erros.

O Qr-Code existe desde 1994, mas atualmente seu uso tem se popularizado pois faz uma ponte de ligação do mundo impresso (jornais, revistas) para o mundo on-line (sites). Outro fator em favor da sua disseminação é a capacidade de armazenamento, que pode atingir até 4296 caracteres. A figura 3 apresenta o Qr-Code gerado com base no BU impresso da seção 1 de Santa Cecília/SC.

Figura 3: Qr-Code da seção 1 de Santa Cecília/SC

Qualquer smartphone com aplicativo de leitura de Qr-Code instalado pode ler o código da figura 3 e irá obter como resultado o texto da tabela 1. Esta tabela é uma representação dos dados do BU e pode ser facilmente interpretada por qualquer sistema computacional pois utiliza o formato JavaScript Object Notation (JSON), possibilitando, inclusive, uma totalização paralela e extra-oficial. Para efeitos de legibilidade deste artigo, o Qr-Code foi gerado de forma menos resumida e sem a utilização de muitas abreviaturas ou códigos de referência. Mesmo assim, o tamanho total do BU em questão ficou em 1.042 caracteres ou seja apenas 25% da capacidade máxima do Qr-Code. Com a utilização de técnicas para compactar a informação e a impressão de mais de um Qr-Code por BU, quando necessário, demonstra-se que é viável a representação dos dados de qualquer BU utilizando-se Qr-Code.

Tabela 1: Dados obtidos com a leitura do Qr-Code

Pode-se citar as seguintes vantagens com a impressão do Qr-Code ao final do BU:

• fácil implementação visto que a urna eletrônica já utiliza a tecnologia Qr-Code para o processo de conferência de data e hora;

• dados do BU poderão ser utilizados em outros sistemas computacionais de forma fácil;

• comparação do resultado impresso de cada seção com o BU digital disponibilizado posteriormente pelo TSE;

• identificação de uma possível troca de MR durante o transporte;

• identificação de uma possível adulteração de MR durante o transporte;

• identificação de erros ou fraudes no software que centraliza e soma os votos de todo o país;

• totalização extra-oficial para comparação com os resultados oficiais.

Com este código impresso, o final do BU ficaria parecido com o apresentado na Figura 4.

Figura 4: Final de um BU com a impressão do Qr-Code

Conclusão

Independente dos boatos e dos mitos sobre a segurança da urna eletrônica, o processo de voto eletrônico é menos suscetível a fraudes do que o processo de votação manual, pois tem menos intervenção humana e possui mais mecanismos de conferência e auditoria. Porém, a ampliação de mecanismos de transparência faz-se necessária como estratégia para combater os ruídos gerados, principalmente, pelo desconhecimento dos processos e tecnologias empregadas. Neste sentido, a impressão do Qr-Code ao final do BU trata-se de mecanismo de grande eficácia e de fácil implementação trazendo mais transparência ao processo de transporte da MR e também ao processo de totalização.

Referências

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Código eleitoral anotado e legislação complementar. – 11. ed. – Brasília, 2014.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Sistema eletrônico de votação : perguntas mais frequentes. – Brasília, 2014. Disponível em: www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-perguntas-mais-frequentes-sistema-eletronico-de-votacao

_________. Tribunal Superior Eleitoral. Resumo do processo eleitoral. – Brasília : Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: www.tse.jus.br/arquivos/tse-resumo-do-processo-eleitoral

__________. Projeto Você Fiscal, Disponível em www.vocefiscal.org

__________. QR Code Generator. Disponível em goqr.me

__________. Introducing JSON. Disponível em http://www.json.org/

* Servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina; Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas e graduado em Ciências da Computação, ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina.


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