A evolução da regulação do financiamento de campanha no Brasil (1945-2006)

Por: Cíntia Pinheiro Ribeiro de Souza


1 RESUMO

Este trabalho busca responder a quatro questões: 1) Afinal, a legislação brasileira se distancia muito de outros marcos regulatórios existentes – percebidos como mais eficientes? 2) Se a resposta for negativa, como se pressupõe, por que os efeitos esperados das regras não são observados? 3) Qual o balanço da evolução desta legislação desde a sua origem? 4) Quais os desafios da regulação do financiamento de campanha no Brasil? Para alcançar esse intento, descrevem-se as principais características da regulação brasileira por uma perspectiva diacrônica, levando-se em conta as características de alguns dos marcos regulatórios mais estudados para se identificar os principais problemas e as soluções indicados pelos especialistas deste tema. A evolução da legislação sobre essa matéria é caracterizada e contextualizada na história recente do Brasil (1945-2006) em relação a receitas, gastos e prestação de contas para se entender as razões das falhas dessa legislação em lidar com seus principais problemas. A partir desse panorama, finalmente, pretende-se apontar os desafios para a regulação do financiamento de campanha no país.

2 INTRODUÇÃO

Quando se fala do financiamento de campanha no Brasil, logo vêm à cabeça escândalos de corrupção e notícias sobre “caixa dois”. Entretanto, o estudo sobre a legislação desta matéria mostra que, há mais de meio século, existem iniciativas para corrigir irregularidades relacionadas às finanças eleitorais. Ao longo desse tempo, identificam-se problemas que têm ameaçado o financiamento das campanhas; seu encarecimento, a desigualdade na disputa eleitoral, a influência indevida e o abuso do poder econômico, a vulnerabilidade de candidatos eleitos perante seus financiadores e a falta de transparência são desafios em evidência na discussão do tema (Fleischer, 2000; Bohn, Fleischer e Whitacker, 2002; Speck, 2004, 2005; Samuels, 2006).

Assim como em outros países, os escândalos desencadearam iniciativas importantes, no Brasil, para o desenvolvimento e a reforma da legislação sobre financiamento de campanha. Neste artigo, descreve-se a evolução temporal da legislação eleitoral brasileira sobre financiamento de campanha desde 1945, ano do fim do Estado Novo e do início da democratização, até o ano de 2006, ano da última grande “reforma eleitoral”, revisora da Lei das Eleições de 1997. Essa descrição será pautada pela classificação presente nos principais estudos sobre regulação de financiamento de partidos e de campanhas (Biezen, 2003; International Idea, 2003; Zovatto e Griner, 2004), subdivididos em receitas, gastos e prestação das contas eleitorais.

Por meio de consulta à legislação e aos diários do Congresso Nacional, pôde-se retificar informações e interpretações contidas na literatura e identificar padrões do financiamento de campanha de acordo com diferentes contextos temporais. Também foi possível discutir a pertinência das ênfases adotadas pela regulação do financiamento de campanhas em relação aos desafios identificados e sugerir mudanças para a abordagem do tema pelo legislador em meio ao debate de reforma política que tramita no Congresso Nacional.

3 AS PROIBIÇÕES ÀS DOAÇÕES PRIVADAS

Ainda em 1945, definiu-se a primeira proibição, comum em vários países, sobre fontes de financiamento partidário para quaisquer contribuições de origem estrangeira. O Código Eleitoral de 1950 proibiu quaisquer recursos provenientes de sociedades de economia mista e de concessionários de serviço público, além de doações de anônimos. O fato de a economia brasileira estar bastante voltada para o mercado externo (Speck, 2005), era um fator que poderia despertar mais o interesse de empresas estrangeiras e multinacionais pela política do país. Dito interesse poderia acarretar intervenções indevidas dessas organizações, nas eleições, por meio do financiamento de candidatos e partidos que pudessem lhes beneficiar de algum modo.

Simultaneamente à democratização do país, houve o avanço do comunismo e, em consequência, o início da Guerra Fria no plano internacional. No Brasil, registrou-se intensa movimentação na política em direção à esquerda, contida pelo golpe de 1964. O receio do crescimento do comunismo levou à criação de grupos de ação política de direita, sendo um dos mais famosos o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), organizado por empresários nacionais e estrangeiros com o intuito de apoiar eleitoralmente grupos anticomunistas. A ligação desses grupos com empresários estrangeiros foi um dos fatores determinantes para a proibição às doações de empresas privadas pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP) de 1965 (Brasil; Congresso Nacional, 1965:3.181)2

Na revisão dada à LOPP, em 1971, as vedações recaíram sobre recursos de autarquias, de empresas públicas e de fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorressem órgãos ou entidades governamentais; ademais de contribuições de entidades de classe ou sindical. O nacional-desenvolvimentismo, que caracterizou os anos de 1950 e de 1960, teve como atributo a forte presença do Estado na economia. A multiplicação de empresas públicas e da máquina administrativa passou a ser vista como ameaça para a competição eleitoral porque os candidatos à reeleição, ou aqueles da situação, poderiam obter vantagem nas disputas se os recursos públicos dessas instituições fossem desviados em benefício deles (Speck, op. cit.). Os sindicatos também recebiam recursos públicos por meio da “contribuição sindical” (Cardoso, 1999), o que justificaria a proibição às doações sindicais.

Mas a proibição às doações sindicais pode ser interpretada de outro modo. Naquela época, as restrições às doações de sindicatos entraram em vigor no momento de ascensão do partido da oposição (o MDB, Movimento Democrático Brasileiro) nos centros urbanos, principalmente onde havia indústrias e onde a sindicalização era mais forte (Speck, op. cit.). Por sua vez, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido governista, com maior representatividade nos estados rurais menos desenvolvidos, vinha perdendo apoio de suas bases desde 1966 (Soares, 1984:52).

Isso faz mais sentido ao se pensar em outras medidas adotadas para conter a oposição, como o “pacote de abril” e a Lei Falcão, de 1976. O “pacote” ampliava, entre outras medidas, as bancadas dos estados menos desenvolvidos, instituía a eleição indireta para governadores e estendia às eleições estaduais e federais a Lei Falcão (Lei 6.339, de 1976), que, por sua vez, restringia a propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Pode-se concluir que tal lei fora criada, portanto, para garantir a vitória governista nas eleições municipais de 1976 (Coutinho e Guido, 2001:2517 e s.).

As mudanças no padrão da competição, mais intenso com o retorno do multipartidarismo operante em 1982, e no modo de conduzir as campanhas vieram com o fim da censura e da consolidação do uso da televisão e das pesquisas eleitorais. Assim, a redemocratização implicou a necessidade de mais recursos a fim de que os candidatos realizassem suas campanhas, além de evidenciar a insuficiência dos recursos próprios dos candidatos, de pessoas físicas e dos partidos para cobrir a nova demanda, o que abriu, em definitivo, o caminho para as contribuições empresariais (Speck, op cit).

No entanto, as doações de empresas permaneceram proibidas até o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo. Os depoimentos à CPI que antecedeu esse fato marcaram a caracterização da legislação que proibia os aportes privados de empresas como “hipócrita” (Ibidem:130). Por isso, também, as vedações às origens do financiamento privado passaram a valer, explicitamente, não só para os partidos, mas para os candidatos a partir de 1993. É importante assinalar que a lista de doações proibidas aumentou, ao incluir os recursos provenientes de: entidade de direito privado que recebesse, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; entidade de utilidade pública; pessoa jurídica sem fins lucrativos que recebesse recursos do exterior e; permissionário de serviço público. Ainda assim, as doações de empresas contratadas pelo Estado - empreiteiras, por exemplo - continuaram permitidas (Ibidem:148).

A atenção às doações privadas para campanhas se justificou, em grande parte, por aquele escândalo envolvendo o presidente Collor. Contudo, novas vedações apareceram na legislação em 2006. Foram acrescentados, às proibições, os recursos de: entidades beneficentes e religiosas; entidades esportivas ou organizações não governamentais (ONGs) que recebessem recursos públicos; e organizações da sociedade civil de interesse público.

Tais restrições responderam a uma série de escândalos parlamentares que assolaram o país em 2005. Esquemas eleitorais previam repasses de verbas públicas para ONGs, os quais eram condicionados à contrapartida do financiamento de determinados candidatos em eleições futuras (Hirschfeld, 2007). Já a proibição para as contribuições das entidades religiosas ocorreu no momento de expansão da bancada evangélica no Congresso. Esse tema foi destaque nos noticiários da campanha do senador Marcelo Crivella (PRB) à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, em 2008 (O Globo, 31 ago. e 21 set. 2008).

Como visto, a estratégia proibitiva de regulação das receitas eleitorais prevaleceu por quase 50 anos no Brasil. Porém, esse período foi marcado pela polarização da política nos planos internacional e interno. O escândalo sobre o financiamento das eleições de 1962 pelo Ibad, envolvendo o combate ao comunismo, e a tensão sob o bipartidarismo entre governistas (a favor do regime militar) e oposicionistas evidenciaram um cenário no qual as contribuições de campanha tiveram como um dos objetivos principais o de desequilibrar a disputa eleitoral a favor de um lado. A solução aplicada durante o período foi restringir, quase totalmente, o financiamento privado de partidos e campanhas, à exceção das doações de indivíduos e dos recursos próprios de candidatos e partidos.

4 OS LIMITES PARA AS DOAÇÕES PRIVADAS

Em decorrência de a legislação ter enfatizado a proibição total das doações de determinadas fontes, os limites às receitas com origem permitida, como recursos próprios de candidatos e doações de indivíduos ficaram em segundo plano. A única exigência da legislação era a de que os partidos por si próprios estipulassem as quantias máximas a serem recebidas de seus doadores e, também, de seus filiados, desde 1965.

O retorno do multipartidarismo (Fleischer, 2000) e das eleições diretas para os cargos majoritários suspensas durante o regime militar foram elementos importantes para a intensificação da disputa eleitoral. Os dois turnos dessas eleições para o Executivo, que incentivam o voto útil, contribuíram para que as campanhas tivessem papel ainda mais importante na decisão do eleitor.

Concomitantemente, houve a consolidação da comunicação com os eleitores através da televisão, a qual se popularizou no país a partir da década de 1970. Sem embargo, alterações no formato dos programas eleitorais na televisão têm sido apontadas como relevantes para o encarecimento das campanhas e para a demanda maior de recursos privados para seu custeio. Diferente de 1974, ano em que os programas eleitorais consistiam em debates ao vivo entre candidatos, ou de 1976, ano no qual os programas permaneciam sob a censura da Lei Falcão, desde as eleições de 1989, a difusão dos programas pré-gravados e das técnicas de marketing político possibilitaram a produção de vídeos cada vez mais sofisticados e caros (Bohn, Fleischer e Whitacker, 2002:349; Jorge, 1995).

Essa conjunção de fatores pode ter desencadeado a escalada dos custos de campanhas para a realização de candidaturas competitivas. Se por um lado havia demanda crescente por recursos, por outro lado, havia oferta potencial, mas “reprimida” pelas proibições das doações privadas dos empresários. Com o fim da “ameaça” comunista e do regime militar, de fato, as motivações dos financiadores também se transformaram. As contribuições deixaram de ter como principal meta o favorecimento de candidato desta ou daquela ideologia. A volta ao multipartidarismo diminuiu a nitidez das diferenças partidárias, e o retorno das eleições diretas para os cargos majoritários do Executivo aumentou as chances de troca de favores entre os candidatos eleitos e as empresas ou os indivíduos interessados nas decisões políticas. Dessa forma, a dinâmica na qual financiadores oferecem doações com a expectativa de obter em troca vantagem direta (“voltadas para serviço”, como licitações e contratos públicos, empréstimos subsidiados) passou a predominar, no lugar das doações coordenadas em busca de políticas específicas (anticomunismo, controle sobre armas, aborto) (Samuels, 2006:147).

Os partidos de esquerda têm enfrentado, tradicionalmente, mais dificuldades para levantar fundos para as campanhas, o que pode ser observado, ainda hoje, pelos menores aportes declarados nas suas prestações de contas. Muito embora empresas tivessem passado a contribuir mais para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT), em 2002, somente quando a sua vitória ficara mais provável - notadamente após o primeiro turno - as contribuições de empresários chegavam até esse candidato (Ibidem:145 e s.). Apesar de doações privadas às campanhas poderem expressar preferências ideológicas, o padrão do financiamento mudou de maneira que a questão a ser enfatizada é que a “compra do serviço” ocorrerá cada vez mais independentemente do partido do candidato, ainda que o “fornecedor” preferencial do serviço possa ser um candidato de outro posicionamento ideológico. Por isso, distinguem-se os casos do Ibad e das eleições no pós-1988. Pode-se dizer que, atualmente, a motivação fundamental do financiamento de campanha, por parte do doador, não é eleitoral, mas econômica (Abramo, 2005).

Assim, dado o fato de que o episódio Collor-PC Farias evidenciou a ineficácia da restrição total para as doações de empresas, surgiu a necessidade de algum controle para estas doações, mais crível, ainda que menos restritiva.

Desde 1993, iniciou-se a regulação dos limites aos aportes privados para as campanhas eleitorais. Para as pessoas físicas, definiu-se o limite de 10% dos rendimentos brutos no ano e, para as pessoas jurídicas, de 2% da receita operacional bruta no ano. Para os candidatos que utilizassem recursos próprios, estipulou-se um teto máximo brando, conforme o valor máximo estabelecido pelo seu partido.

Esses limites são, porém, equivocados. A fórmula que estabeleceu o teto máximo em razão da renda dos doadores (proporcional a rendimentos) permitiu aos financiadores que tivessem maior renda aportar mais recursos, em detrimento dos outros doadores, para candidatos e para partidos (Speck, 2004; Trindade, 2004; Samuels, op. cit.). Por isso, a lei não garantiu o nivelamento na participação política desses doadores por meio do financiamento das campanhas, o que seria, evidentemente, um resultado desejável em um país marcado por desigualdades socioeconômicas que vêm por deteriorar o sentido da máxima “cada cidadão, um voto”.

Os limites globais existentes para as quantias permitidas a serem doadas por financiador não garantem a integridade do candidato eleito perante seus doadores. Para isto, a lei deveria estabelecer tetos máximos para as doações a cada candidato (Samuels, op. cit.). Desta maneira, os recursos de poucos financiadores não poderiam ser decisivos para a campanha de uma candidatura, incentivando a diversificação das fontes de financiamento. Os doadores teriam incentivos para doar menos recursos, pois os limites diminuiriam o apelo de suas contribuições sobre um candidato, tornando incertos os ganhos futuros de seu “investimento”, além de deixar os candidatos eleitos menos dependentes de um financiador (François e Sauger, 2006). Por conseguinte, o padrão de financiamento privado em troca de vantagens diretas poderia ser desestimulado.

Por fim, a ausência de limites para o total de doações que candidato e partido pudessem arrecadar propiciou uma corrida desenfreada por recursos e não contribui para uma competição mais equilibrada. Pelo contrário, a liberdade de arrecadação consentiu a influência do poder econômico sobre disputas eleitorais, contrariando a sua vedação constitucional, consolidada em 1988 (Decomain, 2006).

5 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DIRETO

Inexiste, no Brasil, dinheiro público a ser distribuído exclusivamente para fins eleitorais. O Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (doravante FP) é a única fonte disponível de subsídios estatais diretos, distribuídos para partidos, a fim de realizarem gastos para a sua manutenção cotidiana e despesas eleitorais.

A criação do FP ocorreu no início do regime militar, em 1965. Divergente da emenda à LOPP que proibia as doações de empresas aos partidos em 1965, a criação do FP foi sugerida pelo TSE ainda no anteprojeto da referida lei (Brasil; Congresso Nacional, 1965:3.181). Em tese, o FP foi criado sob o propósito de tornar partidos e candidatos menos dependentes de recursos privados, de modo a amenizar a influência do poder econômico sobre as campanhas e a favorecer ao equilíbrio nas disputas eleitorais. Entretanto, a implementação tardia e a insuficiência dos montantes distribuídos comprometeu os resultados esperados pela sua criação.

Documentos do TSE indicam que não houve distribuição de parcelas do FP até o ano de 1974 (Resolução TSE 9.180, de 1972). O fundo só começou a ser distribuído na abertura gradual do governo Ernesto Geisel (1974-1979). Contudo, devido à fórmula de divisão dos recursos ser proporcional à representação dos partidos, os situacionistas da Aliança Renovadora Nacional (Arena), maioria no Congresso, acabaram recebendo mais recursos do que os oposicionistas do MDB que vinham crescendo nas disputas (Brasil; TSE, 2009).

A volta de eleições multipartidárias em 1982, o surgimento de novas legendas, o encarecimento das campanhas e a dependência crescente dos recursos privados para sua realização, evidenciada pelo caso Collor-PC Farias, conformavam um cenário favorável a mudanças no FP. A partir da Lei dos Partidos, de 1995, além de multas e doações que constituíam o FP, dotações orçamentárias da União foram estabelecidas para compor o fundo de modo permanente, distribuídas em 12 parcelas para os partidos. Tais dotações foram definidas em valor nunca inferior, a cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicado por R$ 0,35 (em valores de agosto de 1995). Os valores deflacionados - tendo como base o ano de 1994 - indicam que, em apenas dois anos, o montante distribuído por meio do FP aumentou em mais de 30 vezes. Em 1994, o fundo não alcançou um milhão de reais. Apenas dois anos mais tarde, no ano de 1996, esse valor já passava de 20 milhões de reais (valor deflacionado relativo aos quase 50 milhões de reais distribuídos naquele ano).

Sempre existiram, todavia, barreiras mínimas de acesso e regras para sua distribuição (que privilegiavam a distribuição proporcional em detrimento da igualitária). Com a redemocratização e o aumento do montante do FP a partir de 1995, estas questões se tornaram ainda mais relevantes. O que habilitava o partido a receber sua parcela do FP era seu registro junto ao TSE e isto se constituiu como barreira mínima de acesso à porção do fundo distribuída igualmente entre os partidos. Mas não só isso, visto que além do registro, os partidos deviam estar “funcionando” no Congresso para receberem o financiamento público, conforme determinação legal sobre o funcionamento parlamentar desde 1950.

O funcionamento parlamentar era entendido como o direito à formação de uma bancada, para a atuação no Legislativo, dependente de desempenho eleitoral mínimo dos partidos com relação à porcentagem de votos recebidos e à distribuição desses votos nos estados. O desempenho eleitoral mínimo, conhecido como cláusula de barreira ou de exclusão, tem sido compreendido, nos sistemas proporcionais de representação, como um instrumento para a prevenção da fragmentação partidária, assim como da formação de “legendas de aluguel”, sem representatividade junto à população.

Apesar de constar na legislação desde 1950, essa cláusula nunca chegou a ser aplicada no cancelamento do registro de partidos, tendo sido ainda minimizada pelo entendimento de que candidatos eleitos não podiam ser impedidos de tomar posse caso seus partidos não obtivessem sucesso em ultrapassar a barreira, segundo a Resolução 20.198, do TSE, de 1998 (Carvalho, 2003). Em 2006, finalmente, o STF declarou a inconstitucionalidade da cláusula de barreira3 .

De modo interdependente à mobilização, para o fim da cláusula de barreira, houve alteração da distribuição do FP, entre os partidos, em 2007. No momento da criação do FP, estipulou-se que 20% do montante do fundo seriam divididos igualmente entre os partidos registrados e 80% divididos proporcionalmente ao número de representantes dos partidos na Câmara. A partir de 1981, os recursos do fundo passaram a ser distribuídos, exclusivamente, conforme a proporcionalidade da representação na Câmara, tornando-se mais desigual. Apenas com a Constituição de 1988, a distribuição de uma pequena parte do FP é assegurada novamente a todos os partidos, independentemente de representação.

A despeito disso, a Lei dos Partidos de 1995, ainda seguindo o princípio da cláusula de barreira, relativizou muito tal direito. Determinou-se que apenas 1% do FP fosse distribuído igualitariamente, ao passo que 99% fosse distribuído de modo proporcional aos votos obtidos, na última eleição da Câmara, pelos partidos com funcionamento parlamentar. Com o fim da cláusula de barreira no ano de 2006, a razão da distribuição do FP foi alterada em 2007 para 5% e 95%, igualitários e proporcionais, respectivamente.

Muito embora pareça uma mudança tímida, segundo dados do TSE sobre a distribuição do fundo4 , houve repercussão para tornar a distribuição menos desigual. Em 2006, somente nove partidos recebiam quase 98% do FP, sendo que 18 partidos, dos 27 que tiveram parte no fundo, receberam menos do que 1% das dotações orçamentárias do FP. Em 2007, 16 partidos passaram a receber pouco mais do que 95%, enquanto 9 partidos não receberam ao menos 1% das dotações orçamentárias daquele ano. Além disso, a entrega do fundo, mensalmente, pode ter causado impacto positivo para pequenos partidos com menos recursos em sua organização financeira. Mas vale ressaltar que a fórmula adotada na distribuição do FP evidencia a preocupação principal - e antiga - do legislador de desestimular legendas de aluguel em vez de garantir facilidades para novos partidos.

Ainda que as mudanças ocorridas na regulação do FP, desde 1995, tenham sido relevantes, outra crítica é pertinente. Apesar da tendência ascendente do montante distribuído pelo FP de acordo com a Lei dos Partidos, esses valores não chegaram nem perto de contrabalançar o peso dos recursos privados. Em 2006, quando foram distribuídos mais de 148 milhões de reais para todos os partidos, só as campanhas dos quatro principais candidatos à presidência custaram mais que o dobro desse valor, compreendendo cerca de 320 milhões de reais, segundo dados do TSE. Para as eleições realizadas em 2010, o valor ultrapassou 500 milhões de reais para as campanhas presidenciais. Mas o FP alcançou pouco mais do que 210 milhões de reais em 2009 e, mesmo que se considerassem todos os recursos do ciclo eleitoral (2008-2010), os valores seriam insuficientes para custear todas as campanhas em jogo.

6 O FINANCIAMENTO PÚBLICO INDIRETO

Com exceção do acesso aos meios de comunicação, foram poucas as iniciativas de financiamento público indireto no Brasil. Pelo Código Eleitoral de 1950, estabeleceu-se isenção de selos para requerimentos e dos papéis destinados a fins eleitorais, inclusive, com gratuidade do reconhecimento de firma pelos tabeliães para os mesmos fins. Com a Lei dos Partidos de 1995, garantiu-se o direito à utilização de escolas públicas ou de casas legislativas para realização de reuniões com fins político-partidários. Outra facilidade, a proibição aos bancos, da cobrança de depósito mínimo para a abertura de contas bancárias de partidos e de candidatos, foi afiançada em 1996 e consolidada pela Lei das Eleições, em 1997.

Entretanto, nunca se ofereceram isenções, deduções ou créditos fiscais sobre doações privadas de pessoas físicas e jurídicas. Esses mecanismos têm sido usados com êxito em outros países, especialmente no Canadá e na Alemanha, com o intuito de promover a transparência e incentivar pequenas contribuições de um número maior de pessoas. No caso alemão, a disponibilidade de deduções é somente para pequenas doações de indivíduos, e não para empresas, reforçou o efeito dessa medida (International Idea, 2003:127). Conquanto tenha havido uma proposta do TSE para o oferecimento de benefícios fiscais para doadores de campanhas em 2005, este mecanismo não foi adotado no Brasil (Brasil; TSE, 2005).

Malgrado o acesso gratuito aos meios de comunicação ser o modo de financiamento público indireto mais importante atualmente, este dispositivo não garantiu a diminuição dos custos das campanhas no Brasil. “As campanhas eleitorais no Brasil são quase tão caras quanto nos Estados Unidos, apesar de o horário eleitoral gratuito brasileiro eliminar a necessidade de o candidato comprar espaço na televisão” (Samuels, 2006:138).

O horário eleitoral gratuito (HEG) com duração de 60 dias antes das eleições foi criado em 1955 para o rádio, e estendido à televisão em 1962, como iniciativa para democratizar as campanhas e para evitar que apenas os candidatos com posses tivessem acesso aos meios de comunicação. A lei previa, em 1955, que o programa eleitoral gratuito da Justiça Eleitoral deveria incluir em seus comunicados, além de instruções sobre o pleito, informações sobre comícios e partidos concorrentes. Em 1962, entretanto, houve a separação do HEG destinado aos comunicados da Justiça Eleitoral dos programas eleitorais dos partidos.

Os jingles do rádio foram importantes nas campanhas dos anos 1950 e 1960, a exemplo do notável sucesso do “varre, varre vassourinha” de Jânio Quadros, lançada em 1960. Entretanto, a política oficial de concessão de canais de rádio e de televisão favoreceu a muitos políticos, como os donos de emissoras locais (Bohn, Fleischer e Whitacker, 2002). Critérios subjetivos, como apoio político, usados para a obtenção de concessão, fizeram de empresários do setor das comunicações, políticos de destaque e vice-versa, numa verdadeira relação de simbiose entre classe política e empresariado (Pieranti e Martins, 2007). Pelo fato de o rádio e a televisão já aparecerem como meios de excelente comunicação política durante as campanhas eleitorais, os próprios políticos tomaram a iniciativa de garantir acesso gratuito a tais meios para os diversos partidos (Ibidem).

Todavia, foi somente em 1974, com a difusão dos televisores nos domicílios brasileiros (Mídia Dados, 2009), que o legislador se preocupou com o desequilíbrio na disputa eleitoral causado pela compra de horário extra para publicidade de candidatos durante campanhas. A partir deste ano, o HEG se tornou exclusivo e “funcionou bem para as eleições de 1974, quando foi gerado ao vivo na forma de debates entre os candidatos da Arena e do MDB ao Senado e com pequenos blocos de propaganda dos candidatos a deputado” (Bohn, Fleischer e Whitacker, 2002:349). No entanto, o bom desempenho da oposição nas eleições fez com que a Lei Falcão fosse lançada em 1976 (Soares, 1984; Coutinho e Guido, 2001), censurando a propaganda eleitoral na televisão. A mesma lei teve efeitos legais até o ano de 1984.

Durante a redemocratização, nas primeiras eleições diretas para presidente em 1989, ocorreram mudanças fundamentais. O acesso ao HEG passou a prescindir da representação, e uma pequena parte do tempo foi destinada à divisão igualitária entre todos os partidos, ao passo que o restante permanecia dividido proporcionalmente à representação no Congresso. Pela Lei das Eleições de 1997, houve redução do HEG a 45 dias e consolidação da distribuição do tempo em 1/3 do tempo dividido igualitariamente entre todos os partidos registrados, e 2/3 proporcionalmente à representação na Câmara, proibida a transferência de tempo entre os partidos.

Entretanto, essas restrições não foram suficientes para assegurar o nivelamento dos programas eleitorais na televisão nem o barateamento das campanhas e menor desequilíbrio na competição eleitoral. O HEG tem favorecido a desigualdade entre candidatos justamente porque as propagandas mais sofisticadas, feitas com a consultoria de especialistas de publicidade, contrastam com os programas mais simples de candidatos com menos recursos (Jorge, 1995). Portanto, para reverter este quadro, o formato do HEG deveria ser alterado pela volta dos debates e/ou pela determinação de limites para gastos com propaganda nos meios eletrônicos.

7 A LEGISLAÇÃO SOBRE AS DESPESAS ELEITORAIS

Uma abordagem detalhada da matéria de despesas eleitorais surgiu na regulação do financiamento de campanha apenas nos anos 1990. A legislação proibiu certos gastos, enumerou despesas possíveis, embora fosse muito liberal quanto aos seus limites.

Todos os gastos listados em lei passaram a ser sujeitos à contabilização e à prestação de contas. Já sobre as restrições, a iniciativa do legislador de proibir a propaganda eleitoral por meio de outdoors, a realização de “showmícios” e a distribuição de brindes, em 2006, sinalizou na direção de prevenir a distorção das campanhas em favor de candidatos ricos, bem como de evitar que a decisão do eleitor fosse pautada pela suposta vantagem que pudesse receber dos candidatos.

Contudo, essas proibições foram paliativas. Contraditoriamente, o legislador não estabeleceu qualquer limite absoluto para despesas globais de partidos ou de cada candidato durante as campanhas. Como já foi visto, tetos máximos para os gastos eleitorais poderiam contribuir para que a propaganda eleitoral nos meios eletrônicos fosse menos custosa e menos desigual. Estima-se que 60% a 80% dos gastos eleitorais sejam realizados com propaganda eleitoral, na televisão, na América Latina (Zovatto e Griner, 2004:317). No caso brasileiro, embora o HEG pudesse desonerar as campanhas, elas permanecem caras por aqui (Samuels, 2006:138).

O limite para gastos do Código Eleitoral de 1950 é o mesmo até hoje: os partidos devem fixar as quantias máximas que os candidatos podem gastar com a própria candidatura, assim como a quantia global gasta pelo partido. Estabeleceu-se em 2006, entretanto, que caberia também à lei fixar esses limites até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral. Somente se a lei silenciasse sobre os limites é que os partidos deveriam fixá-los. A prática tem sido, de fato, a lei do silêncio.

A questão é que a ausência de limites para os gastos associada a tetos máximos elevados para doações privadas contrastam com a percepção de que as campanhas sejam cada vez mais dominadas pela prática do “caixa dois”. Como se poderia explicar isso? O “caixa dois”, prática de financiamentos não registrados na contabilidade e na prestação de contas (Speck, 2005:124), poderia ser compreendido como tentativa de candidatos ou financiadores burlarem limites para poder despender recursos além do permitido, no primeiro caso, ou contribuir com aportes maiores do que previsto em lei, no segundo. Porém, a falta de tetos máximos para gastos e a flexibilidade dos limites para doações indicam que este não é o fato, ou seja, o modelo de regulação do financiamento de campanhas não incentiva diretamente o “caixa dois”.

Entretanto, se a existência de limites rígidos pode ser entendida como incentivo direto para a burla da lei nos casos em que há demanda reprimida pela regulação, há autores que consideram a ausência de limites igualmente um fator a motivar o “caixa dois”. A ausência de tetos máximos para doações deixariam empresários vulneráveis à demanda sem limites dos candidatos, o que os obrigaria a incorrer na prática do “caixa dois”. Talvez, por isso, Speck (2003) tenha afirmado que os limites em função da renda dos doadores servem mais para proteger doadores de candidatos do que candidatos de doadores.

Como bem apontaram Abramo e Capobianco (2004:70), há setores inteiros que dependem de “prover governos”, o que envolve somas astronômicas de gasto público a serem decididas por meio de licitações. Para assegurar decisão favorável sobre investimentos, os interessados podem recorrer a arranjos corruptos de financiamento de candidatos, que, por vezes, são adversários na mesma eleição. Com isso em mente, esses autores enfatizaram a necessidade de se tomar duas medidas preventivas. A primeira, é diminuir ao máximo a discricionariedade dos tomadores de decisão em relação à abertura de processos das licitações e seus resultados - por meio de regulamento das mesmas e de democratização das decisões sobre prioridades de gasto do governo. A segunda, é monitorar a evolução do patrimônio daqueles que tomam tais decisões para se evitar arranjos corruptos entre políticos e seus financiadores.

Há outros motivos que levam candidatos, partidos e doadores a incorrerem na prática de não declarar receitas e despesas. A principal suspeita é que recursos de procedência proibida ou ilícita sejam pilares do “caixa dois”, como por exemplo, recursos do “caixa dois” associados a tráfico de influência das próprias empresas (Abramo apud Samuels, 2006: 149).

Por isso, reformas para melhorar o funcionamento da Receita Federal (Fleischer, 2000:94), ademais das legislações sobre bancos e impostos (Samuels, 2006:150), são medidas imprescindíveis contra o “caixa dois”. Mas além dos aportes ilícitos das empresas, o financiamento de campanhas baseado em desvios de dinheiro público e lucros de contraventores ligados a jogos de azar e tráfico de drogas, por exemplo, também deve ser combatido. Para isso, é preciso reforçar a vigilância sobre as finanças de candidatos por meio da aplicação eficaz de regras com vistas à divulgação das contas de campanha.

8 A LEGISLAÇÃO SOBRE A PRESTAÇÃO DAS CONTAS

A autonomia dos partidos e a privacidade dos doadores nunca foi uma questão no debate sobre a prestação de contas de candidatos no Brasil. A forte regulação da vida partidária, perceptível pelas exigências relativas ao registro dos partidos ou pelo status de pessoa jurídica de Direito Público Interno dado aos partidos durante o regime militar, sempre aproximou os partidos do Estado. O próprio FP motivou a demanda pela prestação de contas do emprego feito pelos partidos de tais recursos.

Entretanto, se o forte controle exercido pelo Estado sobre os partidos poderia ter facilitado o monitoramento de suas finanças, o pouco desenvolvimento da legislação sobre esse assunto, até mais recentemente, e as falhas na implementação desfavoreceram a transparência das contas eleitorais. Desde 1965, a legislação brasileira sobre a prestação de contas determinou que esta devesse ser feita com base na separação entre contas partidárias e eleitorais. Por isso, nesta seção, destaca-se, exclusivamente, a regulação da prestação das contas eleitorais.

A LOPP de 1965 determinou a prestação de contas dos partidos e dos seus comitês ao fim de cada campanha e o envio das mesmas para fiscalização dos comitês interpartidários. Estes, por sua vez, eram comitês formados por membros dos partidos existentes que concorressem nas eleições, responsáveis por fiscalizar e dar publicidade aos resultados de seus relatórios e de suas investigações sobre as contas eleitorais. Também pela LOPP, os candidatos foram proibidos de receber recursos e de realizar, individualmente, despesas, devendo processá-las por meio dos partidos e dos comitês, razão pela qual os candidatos não eram sujeitos à prestação de contas direta à Justiça Eleitoral. Esta restrição foi reafirmada pela revisão dada à LOPP em 1971. Apenas após a redemocratização, os candidatos passaram a ser vistos pelo legislador como atores ativos nas conduções das finanças eleitorais. Se nas eleições à presidência de 1989 não houve restrições para a arrecadação e para as despesas dos candidatos, o escândalo Collor-PC Farias deve ter influenciado o enrijecimento da regulação.

Pela lei que regulava as eleições de 1994, apontavam-se os candidatos como os únicos responsáveis pela veracidade das informações referentes às contas de sua campanha eleitoral. Os comitês financeiros, cuja constituição se tornou imprescindível para a administração dos recursos das campanhas, também deveriam prestar contas e enviá-las para a Justiça Eleitoral em um prazo de dois meses após as eleições. Como não existia uma padronização determinada pela Justiça Eleitoral, os comitês eram encarregados de resumir as informações relativas às contas dos candidatos em um demonstrativo compreensível. Já a apreciação das contas deveria ocorrer, até oito dias antes da diplomação dos eleitos, pelos Tribunais Regionais Eleitorais e pelo TSE.

Em 1995, a Lei dos Partidos inovou ao exigir, também, o envio de balancetes mensais, durante os quatro meses anteriores às eleições, por parte dos partidos políticos em ano de eleição. Mas, ao encerramento das campanhas, a prestação de contas era devida não só aos partidos, mas aos candidatos e aos comitês financeiros.

O início da padronização da prestação de contas se deu também em 1995, com a lei que regulava as eleições municipais de 1996. Segundo essa lei, a prestação de contas deveria ser realizada de acordo com o plano simplificado elaborado pelo TSE, sendo feita, sempre, pelo comitê financeiro, assinada pelo presidente do partido, e enviada até 30 dias após as eleições à Justiça Eleitoral. Todavia, previu-se o prazo de até três dias antes da diplomação dos candidatos para o julgamento das contas pela Justiça Eleitoral. Essa medida de centralizar a prestação de contas no comitê financeiro partidário de campanha contribuiu para a sua racionalização, visto que a Justiça Eleitoral passou a receber as informações a partir de uma única fonte.

Pela Lei das Eleições de 1997, consolidaram-se as regras para a prestação de contas das campanhas eleitorais. Embora pudesse não existir movimentação alguma de recursos, as contas bancárias deveriam, ainda assim, ser abertas obrigatoriamente. Para os candidatos a cargos majoritários, definiu-se que suas contas seriam prestadas por meio dos comitês, enquanto para os candidatos a cargos proporcionais foi dada a opção de prestarem contas de forma independente. De todas as maneiras, o prazo para o envio das contas à Justiça Eleitoral permaneceu o mesmo para todos os candidatos, ou seja, até 30 dias após as eleições. Havia exceção: aos candidatos que disputassem o segundo turno que teriam mais 30 dias para enviarem suas contas. A lei estabelecia, ainda, a inclusão das sobras de campanha na prestação de contas e o prazo máximo de até oito dias antes da diplomação dos eleitos para o julgamento das contas de todos os candidatos.

A introdução do formato eletrônico, desde 2002, que modernizou a prestação de contas foi um passo essencial para a ampla divulgação dos dados aos cidadãos e para promover a fiscalização mais eficiente das contas dado seu elevado número no que se refere às campanhas individuais (em torno de 18 mil em eleições estaduais e nacionais e mais de 300 mil em eleições nacionais) (Speck, 2005:150 e s.). A partir da adoção do Sistema Prestação de Contas de Campanha Eleitoral pelo TSE (Resolução 20.987, de 2002), os eleitores puderam consultar, na internet, informações sobre receitas e gastos de candidatos, partidos e comitês financeiros. Tais informações eram detalhadas, com a separação entre receitas públicas e privadas e os tipos de gastos realizados. Também disponibilizaram-se dados do valor das doações por receptor e por doador específico, seja pessoa física ou jurídica. Porém, os problemas relativos à imprecisão e à incompletude de informações não foram superados, em especial, tratando-se dos municípios menores.

Até 2006, a legislação não previa a obrigatoriedade da divulgação das contas por meio dos veículos de comunicação de massa. A divulgação das contas, a cargo dos partidos, das coligações e dos candidatos, também parcial antes das eleições, pela Internet, passou a ser obrigatória. Em tese, isso favoreceu o acesso direto dos cidadãos comuns às informações. Até 2006, as contas eleitorais deveriam ser consultadas in loco, junto ao TSE, aos TREs e às Juntas, nos municípios. No entanto, como a nova legislação só exigiu a divulgação dos nomes dos doadores, com os respectivos valores doados, ao fim da campanha, isso comprometeu o potencial de promoção de eleitores mais informados e transparência das contas. A legislação poderia prever a divulgação imediata, com a revelação dos nomes de doadores e das quantias doadas, ao menos das contribuições de grande monta, a exemplo do que ocorre na Alemanha. Em vez de sobrecarregar o TSE com relatórios detalhados, essa medida poderia desestimular esse tipo de doação e expor ligações suspeitas entre candidatos e seus financiadores.

Além disso, os candidatos deixaram de ser os únicos responsáveis, passando a responder solidariamente com a pessoa designada para a administração financeira de sua campanha pela veracidade das informações prestadas. Interessante notar que essa mudança na lei sucedeu o escândalo do “mensalão” envolvendo o PT, então no governo, colocando-se em dúvida a consciência por parte do presidente Lula sobre o “caixa dois” operante nas campanhas do partido. Como a responsabilização pelas irregularidades recaiu mais fortemente sobre aqueles que atuavam nos bastidores, como o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, o presidente pôde continuar seu governo no segundo mandato com altos índices de popularidade, apesar do desgaste sofrido pelo seu partido.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se, neste artigo, que há muito existe uma tendência regulatória das finanças eleitorais. Dois momentos marcaram a evolução da legislação brasileira; de 1945 até 1985, a regulação se desenvolveu mais intensamente durante o regime militar (1964-1985). A ênfase recaiu sobre proibições às fontes de arrecadação dos partidos (uma vez que os candidatos não podiam movimentar recursos de campanha) e sobre iniciativas de nivelamento da competição eleitoral, como a criação do FP e do HEG associado à proibição da propaganda paga nos meios de comunicação eletrônicos. O fato de os candidatos não poderem arrecadar e despender recursos desfavoreceu, em tese, os vínculos de dependência que ameaçam hoje a integridade dos mandatos de candidatos eleitos em relação a seus financiadores. Além disso, a suspensão das eleições diretas para os cargos majoritários do Executivo, durante quase todo o regime, também restringiu a questão do financiamento de campanhas ao Legislativo.

No entanto, se o legislador tentava tornar a disputa menos atrelada ao poder econômico para evitar a distorção dos resultados eleitorais, contraditoriamente, não houve adoção de limites para gastos e promoção da transparência das contas de modo significativo.

A partir do retorno das eleições diretas e da redemocratização, a lógica do financiamento mudou, de modo que mudanças ocorreram na legislação para acompanhá-la. A Lei dos Partidos de 1995 e a Lei das Eleições de 1997, assim como a “reforma eleitoral” de 2006, consolidaram-se como referências para o tema. Registram-se assim: o aumento dos valores do FP, a regulação das doações privadas, com limites para o conjunto de contribuições de cada pessoa física ou jurídica, e a obrigatoriedade da divulgação parcial da prestação de contas, pela internet, antes do pleito.

Ainda que a regulação tenha evoluído no sentido de promover alguma transparência para as contas eleitorais, a falta de limites efetivos para as doações privadas, baseados em outros critérios que não a renda dos doadores e definidos para cada doação a um candidato específico, descuidou da ameaça à integridade dos candidatos quanto ao poder econômico de seus financiadores.

Além disso, a ausência de limites para despesas de candidatos, o formato do HEG e o volume reduzido do FP em comparação com os gastos, atualmente, indicam a ineficácia da regulação para diminuir a escalada dos custos de campanha e para diversificar as fontes de financiamento de candidatos, estes muito dependentes do financiamento privado de poucos doadores que doam muito (Samuels, 2006). Essa legislação, portanto, não garante o nivelamento da competição eleitoral, nem a integridade dos representantes eleitos.

A dificuldade para combater o “caixa dois”, no entanto, não deve ser entendida como problema exclusivamente eleitoral. A movimentação financeira de recursos não declarados de origem desconhecida também prejudica o setor privado, sendo usada, também, como saída para burlar o fisco ou para “lavar dinheiro”. A legislação brasileira sobre a prestação de contas exige relatórios detalhados de receitas e despesas dos candidatos. Sendo assim, a efetividade do combate ao “caixa dois” depende mais da aplicação da lei do que de mudanças na letra da lei.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 Este trabalho é uma versão modificada do 2º capítulo de minha dissertação de mestrado, com mesmo título, financiada com bolsa da Capes e defendida no IUPERJ, em junho de 2010.
2 Diferente do que foi apontado por Speck (2005:129), a proibição às doações de empresas privadas não ocorreu em 1971, mas em 1965. A mesma não decorreu de casuísmos do regime militar. A proposta de proibir as doações de empresas foi do deputado Noronha Filho (MDB), quem argumentou que uma emenda ao projeto da LOPP, de 1965, contemplaria a necessidade de combater a indevida influência do poder econômico sobre as campanhas, a qual passava ilesa no projeto original (Brasil; Congresso Nacional, 1965:3.181).
3 A decisão do STF sobre a ADIN 1.535 sobre a cláusula de barreira está disponível em www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp; Acesso em: 15 jan. 2010.
4 Disponíveis em www.tse.gov.br/internet/partidos/fundo_partidario/2006.htm e www.tse.gov.br/internet/partidos/fundo_partidario/2007.htm. Acesso em: 24 nov. 2009.

Doutoranda em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e bolsista CNPq. Também mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).


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